Certa vez fui contar histórias numa escola e durante o trabalho a professora me pediu que eu fizesse uma sessão de histórias para as crianças da creche social que a escola mantinha. Lá fui eu.
Ao entrar na sala, as crianças estavam sentadas diante de uma televisão enorme assistindo os dedinhos da Eliana. As professoras sentadas num canto recortavam qualquer coisa com cara de tédio absoluto.
A coordenadora que me acompanhava, entrou na sala me apresentou às professoras, que sorriram apenas, e foi logo desligando a TV. As crianças continuaram nas mesmas posições, sem esboçar qualquer reação.
Bom dia, disse eu. Nada aconteceu. Seus olhos continuavam fixos no aparelho desligado.
Sentei-me no chão, respirei fundo e comecei minha abordagem. Nada aconteceu. O aparelho desligado ainda guiava seus olhos e emoções.
Comecei uma história. Sem sucesso. As crianças não estavam ali.
Comecei a ficar aflita, buscava dentro de mim recursos para trazer aquelas crianças pra junto da história, mas eu me sentia vazia. Uma sensação esquisita. Se eu me levantasse e saísse, acho que elas nem notariam.
A história corria solta. Eu já havia me levantado, andado, sentado e nada acontecia com aquelas crianças. Comecei a esquecer o texto, recorria a tudo e nada.
Derrepente, um vento forte bateu na janela e levantou com força a cortina. Uma das crianças olhou sem mais e disse apenas: - tia olha o vento.
Olhei para a janela, sem qualquer esperança.
O vento soprou novamente dessa vez mais suave.
Todas as crianças olharam pra janela, o tédio começava a se dissolver.
Respirei fundo. Me veio uma canção de Caymmi na cabeça... “Vamos chamar o vento...” e convidei as crianças para chamar o vento.
Juntos, chamávamos o vento baixinho e longo, numa nota só. Mais da metade do tédio agora ia com o vento.
Mas eu precisava ser rápida, porque chamar o vento iria se esgotar na próxima pausa.
Os Contos de Fadas e Histórias |
- ...
- Elas querem entrar, podemos chamá-las? – Sim. –
Então vamos bater palmas. As palmas trazem as fadas pra perto.
Muitas palmas.
– Olha, tem uma fada no seu cabelo! – risos
– Tem uma no seu nariz. - mais risos.
– Quantas fadas??
– Sejam bem vindas! ...
Risos e mais risos.
- Tia?! Olha! tem uma fada na sua boca.
Tomei nas mãos delicadamente a fada que estava na minha boca.
Olhei atentamente para ela. E disse bem baixinho:
- ela quer contar uma história. Pode? ...
Devolvi a fada pra minha boca e comecei a contar uma, duas, três e mais e mais histórias.
Todos os olhinhos me seguiam pela estrada do conto.
Quando terminei, eles queriam mais.
Correram pra minha direção. Me abraçavam e me beijavam. Não queriam que eu fosse embora. Fui saindo com alguns deles grudados na minha saia.
Desci uma longa escada tremendo e suando frio.
Derrepente um nó na garganta e um choro que veio sem eu me dar conta.
Sai do colégio tonta.
Tinha vontade de correr e gritar.
Só muito mais tarde já em casa, é que me dei conta do milagre que ocorrera naquela manhã.